Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

George Thaniel - Com a corrente

O poeta greco-canadense nos leva a uma oportuna reflexão sobre a questão da adaptabilidade e da aceitação de nossa condição passadiça e cambiante, sem opor resistências inoportunas ao fluxo da vida, mas nele se encontrando para empreender, com esperança e serenidade, em harmonia com os que nos rodeiam, uma jornada feliz até as metas a que nos propusermos.

 

Unidade e coerência com a nossa natureza, numa época de comunhão, acolhida e reconciliação como o Natal, fazem-nos lembrar de que compartilhamos uma mesma humanidade e um mesmo desejo de conexão, a despeito de nossas diferenças. E não necessitamos de grandes gestos ou feitos para expressar e difundir nossa criatividade e alegria!

 

J.A.R. – H.C.

 

George Thaniel

(1938-1991)

 

With the current

 

Feted by silk-blue waters

and cradled in the balmy basket of the air

we hope to attain goals

set by mottoes on sundials.

 

The world makes us shapely

as a cup makes a statue

of water.

Our toes duplicate reassuringly

our fingers.

If we can’t strike a harp

we can kick off Christmas cards

footpainted.

 

We can sail with the current.

 

In: “Snowfall” (1982)

 

Autoria não identificada

 

Com a corrente

 

Celebrados por águas de um azul sedoso

e embalados na refrescante canastra do ar

esperamos alcançar as metas

fixadas por divisas em relógios de sol.

 

O mundo torna-nos bem modelados

tal como uma chávena esculpe a forma

da água.

Nossos dedos dos pés duplicam reconfortantemente

os dedos da mão.

Se não podemos tocar uma harpa

podemos lançar cartões natalinos

pintados com os pés.

 

Podemos navegar com a corrente.

 

Em: “Nevasca” (1982)

 

Referência:

 

THANIEL, George. With the current. In: __________. Seawave & Snowfall: selected poems (1960-1982). Toronto, CA: Amaranth Editions, 1984. p. 106.


domingo, 14 de dezembro de 2025

Charlotte Brontë - Vida

Com um tom geral de otimismo, a escritora inglesa nos faz ver que a vida não é um sonho tão sombrio assim, senão uma experiência que merece ser vivida e desfrutada, a despeito dos inevitáveis percalços a que cada um está exposto, por força de suas conjunturas contingentes.

 

Coragem e determinação, perseverança e fé no futuro são o remédio para se atravessar as tormentas do desalento, mantendo-se firme a esperança de que o ciclo retorne em algum momento ao ápice de bonança. Afinal, como diz o vetusto ditado: “Não há bem que sempre dure, tampouco mal que nunca se acabe”! Ou ainda certa passagem daquela famosa composição da dupla Ivan Lins & Vitor Martins: “Desesperar, jamais! (...) Não tem cabimento entregar o jogo no primeiro tempo”!

 

J.A.R. – H.C.

 

Charlotte Brontë

(1816-1855)

(Retrato de George Richmond)

 

Life

 

Life, believe, is not a dream

So dark as sages say;

Oft a little morning rain

Foretells a pleasant day:

Sometimes there are clouds of gloom,

But these are transient all;

If the shower will make the roses bloom,

O why lament its fall?

Rapidly, merrily,

Life’s sunny hours flit by;

Gratefully, cheerily,

Enjoy them as they fly.

 

What though Death at times steps in,

And calls our Best away?

What though sorrow seems to win

O’er hope, a heavy sway?

Yet Hope again elastic springs,

Unconquered, though she fell;

Still buoyant are her golden wings,

Still strong to bear us well.

Manfully, fearlessly,

The day of trial bear,

For gloriously, victoriously,

Can courage quell despair.

 

A manhã de um novo dia

(Alexander Zhilyaev: pintor russo)

 

Vida

 

A vida, acredite, não é um sonho

Tão sombrio como dizem os sábios;

Com frequência, uma breve chuva matinal

Prenuncia um dia agradável:

Às vezes, há nuvens opressivas,

Mas são todas passageiras;

Se a chuva faz com que as rosas floresçam,

Oh, por que lamentar a sua queda?

Rápida e alegremente,

As horas ensolaradas da vida passam;

Com gratidão, com entusiasmo,

Desfrute-as enquanto se esvaem!

 

E se a morte, por vezes, intervém

E subtrai o nosso Melhor?

E se a tristeza subjuga aparentemente

A esperança num domínio opressivo?

Ainda assim, elástica, a Esperança põe-se de pé,

Não derrotada, embora haja tombado;

Suas asas douradas ainda flutuam,

Fortes o suficiente para bem nos suster.

Com valentia, sem medo,

Suporte o dia da provação,

Pois gloriosamente, vitoriosamente,

Pode a coragem impor-se ao desespero!

 

Referência:

 

BRONTË, Charlotte. Life. In: __________. An hour with Charlotte Brontë; or, Flowers from a Yorkshire moor. Edited by Laura C. Holloway. New York, NY: Funk & Wagnalls, 1883. p. 138.

sábado, 13 de dezembro de 2025

Henri F. J. de Régnier - A Ventura

Contemplação, moderação e desapego são os ingredientes que o poeta simbolista francês recomenda para se alcançar uma felicidade mais estável, digo melhor, menos propensa a sucumbir a prazeres fugazes ou ao afã de apropriar-se de um longo rol de bens materiais – mero instrumental do qual não se deduzem elementos essenciais a uma existência nos marcos da plenitude.

 

Trata-se de vislumbrar a eternidade na beleza do efêmero, sem prender-se ao que seja meramente superficial, adotando-se uma atitude mais positiva e de gratidão perante a vida: eis aí, por conseguinte, valores vocacionados a serenar o mar turbilhonante das comoções humanas, para o tornar mais fausto à travessia do nosso batel até a outra margem.

 

J.A.R. – H.C.

 

Henri F. J. de Régnier

(1864-1936)

 

Le Bonheur

 

Si tu veux être heureux, ne cueille pas la rose

Qui te frôle au passage et qui s’offre à ta main;

La fleur est déjà morte à peine est-elle éclose.

Même lorsque sa chair révèle un sang divin.

 

N’arrête pas l’oiseau qui traverse l’espace;

Ne dirige vers lui ni flèche, ni filet

Et contente tes yeux de son ombre qui passe

Sans les lever au ciel où son aile volait;

 

N’écoute pas la voix qui te dit: “Viens”. N’écoute

Ni le cri du torrent, ni l’appel du ruisseau;

Préfère au diamant le caillou de la route;

Hésite au carrefour et consulte l’écho.

 

Prends garde… Ne vêts pas ces couleurs éclatantes

Dont l’aspect fait grincer les dents de l’envieux;

Le marbre du palais, moins que le lin des tentes

Rend les réveils légers et les sommeils heureux.

 

Aussi bien que les pleurs, le rire fait les rides.

Ne dis jamais: Encore, et dis plutôt: Assez…

Le Bonheur est un Dieu qui marche les mains vides

Et regarde la Vie avec des yeux baissés!

 

A Quiromante

(Caravaggio: pintor italiano)

 

A Ventura

 

Se queres ser feliz não colhas nunca a rosa

Que, rubra, no jardim, se te oferece à mão.

Pois morreu, ao abrir-se, a flor maravilhosa,

E as pétalas de sangue em breve tombarão...

 

Ao pássaro ligeiro, emplumado, que passa,

Não queiras com teu arco e uma flecha abater,

Deve bastar-te ver a sombra que ele traça

No chão, sem pra o céu o olhar impuro erguer.

 

Não ouças nunca a voz que te disser: “Vem”, nada

Escutes, – seja o arroio ou música de ninhos.

Prefere ao diamante os calhaus de uma estrada

E à trilha mais suave os ásperos caminhos.

 

Convém que no vestir a discrição aprendas,

Pois evita o rilhar de dentes invejosos.

Ao palácio prefere as encardidas tendas;

Despertarás feliz de sonhos venturosos...

 

Tal como o pranto o riso ajuda a fazer rugas...

Nunca peças demais... Limita as fantasias.

Pois a Ventura é um Deus que anda em constantes fugas,

De olhos postos no chão e mãos sempre vazias...

 

Referências:

 

Em Francês

 

RÉGNIER, Henri F. J. de. Le bonheur. In: ROŞIORU, Ion. Étonnements: sub semnul mirării. Anthologie de poésie francophone pour les élèves de tous les âges / Antologie de poezie francofonă pentru elevii de toate vârstele. Constanţa, RO: Ex Ponto, 2007. p. 6 et 8. Disponível neste endereço. Acesso em: 10 dez. 2025.

 

Em Português

 

RÉGNIER, Henri F. J. de. A ventura. Tradução de Raimundo Magalhães Júnior. In: MILLIET, Sérgio (Seleção e Notas). Obras-primas da poesia universal. 3. ed. São Paulo, SP: Livraria Martins Editora, 1957. p. 201-202.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Ferreira Gullar - A vida bate

Nestes versos de Gullar, não se trata do poema em si, senão da própria vida humana, com suas lutas, lanhos, complexidades e contradições, o seu constante oscilar entre perdas e ganhos, entre derrocadas e ascensos. A vida que, no caso, se passa num ambiente citadino, ao mesmo tempo “fabril e imaginário”, autêntico refúgio coletivo a abarcar um terreno fértil onde se manifesta o obscuro presente e o pânico corporificado.

 

No coração do homem a vida pulsa como se uma “clandestina esperança” fosse, “misturada ao sal do mar”; esperança que jamais se rende, que persiste inclusive nas condições mais difíceis, constrita entre percalços e desilusões, a nos incitar para que porfiemos na busca por sentido e realização, empenhando-nos em nos fazer presentes plenamente onde quer que estejamos.

 

J.A.R. – H.C.

 

Ferreira Gullar

(1930-2016)

 

A vida bate

 

Não se trata do poema e sim do homem

e sua vida

– a mentida, a ferida, a consentida

vida já ganha e já perdida e ganha

outra vez.

Não se trata do poema e sim da fome

de vida,

o sôfrego pulsar entre constelações

e embrulhos, entre engulhos.

 Alguns viajam, vão

a Nova York, a Santiago

do Chile. Outros ficam

mesmo na Rua da Alfândega, detrás

de balcões e de guichês.

  Todos te buscam, facho

de vida, escuro e claro,

que é mais que a água na grama

que o banho no mar, que o beijo

na boca, mais

que a paixão na cama.

Todos te buscam e só alguns te acham. Alguns

te acham e te perdem.

Outros te acham e não te reconhecem

e há os que se perdem por te achar,

 ó desatino

ó verdade, ó fome

de vida!

O amor é difícil

mas pode luzir em qualquer ponto da cidade.

E estamos na cidade

sob as nuvens e entre águas azuis.

 

A cidade. Vista do alto

ela é fabril e imaginária, se entrega inteira

como se estivesse pronta.

Vista do alto,

com seus bairros e ruas e avenidas, a cidade

é o refúgio do homem, pertence a todos e a ninguém.

Mas vista

de perto,

revela o seu túrbido presente, sua

carnadura de pânico: as

pessoas que vão e vêm

que entram e saem, que passam

sem rir, sem falar, entre apitos e gases. Ah, o escuro

sangue urbano

movido a juros.

 

São pessoas que passam sem falar

e estão cheias de vozes

e ruínas. És Antônio?

És Francisco? És Mariana?

Onde escondeste o verde

clarão dos dias? Onde

escondeste a vida

que em teu olhar se apaga mal se acende?

E passamos

carregados de flores sufocadas.

Mas, dentro, no coração,

eu sei,

 a vida bate. Subterraneamente,

a vida bate.

Em Caracas, no Harlem, em Nova Délhi,

sob as penas da lei,

em teu pulso,

a vida bate.

E é essa clandestina esperança

misturada ao sal do mar

que me sustenta

esta tarde

debruçado à janela de meu quarto em Ipanema

na América Latina.

 

Em: “Dentro da noite veloz” (1975)

 

Jovem à sua janela

(Gustave Caillebotte: pintor francês)

 

Referência:

 

GULLAR, Ferreira. A vida bate. In: __________. Dentro da noite veloz. Prefácio de Armando Freitas Filho. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2018. p. 50-52.