Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Manoel de Barros - Comportamento

O poeta desafia as convenções linguísticas e poéticas ao expressar um desejo de inventar comportamento para as coisas, em vez de simplesmente observar como elas se comportam. Imbuído de tal propósito, sugere que a verdadeira tarefa da poesia é confundir o sentido das palavras, criando experiências glossológicas capazes de reconfigurar a nossa compreensão do mundo.

 

O poema encarna, assim, uma celebração da flexibilidade da linguagem e da capacidade da poesia em ressignificar a realidade (percebam-se, no caso, as transformações semânticas e as imagens lúdicas empregadas por Barros), uma vez que privilegia a criatividade e a percepção, em detrimento da lógica e do mero sentido utilitário que costumamos imputar aos elementos constituintes do nosso meio.

 

J.A.R. – H.C.

 

Manoel de Barros

(1916-2014)

 

Comportamento

 

Não quero saber como as coisas se comportam.

Quero inventar comportamento para as coisas.

Li uma vez que a tarefa mais lídima da poesia é a

de equivocar o sentido das palavras

Não havendo nenhum descomportamento nisso

senão que alguma experiência linguística.

Noto que às vezes sou desvirtuado a pássaros, que

sou desvirtuado em árvores, que sou desvirtuado

para pedras.

Mas que essa mudança de comportamento gental

para animal vegetal ou pedral

É apenas um descomportamento semântico.

Se eu digo que grota é uma palavra apropriada para

ventar nas pedras,

Apenas faço o desvio da finalidade da grota que

não é a de ventar nas pedras.

Se digo que os passarinhos faziam paisagens na

minha infância,

É apenas um desvio das tarefas dos passarinhos que

não é a de fazer paisagens.

Mas isso é apenas um descomportamento linguístico que

não ofende a natureza dos passarinhos nem das grotas.

Mudo apenas os verbos e às vezes nem mudo.

Mudo os substantivos e às vezes nem mudo.

Se digo ainda que é mais feliz quem descobre o que não

presta do que quem descobre ouro –

Penso que ainda assim não serei atingido pela bobagem.

Apenas eu não tenho polimentos de ancião.

 

Em: “Ensaios fotográficos” (2000)

 

Em sintonia com a natureza

(David Lozeau: artista americano)

 

Referência:

 

BARROS, Manoel de. Comportamento. In: __________. Poesia completa. São Paulo, SP: LeYa, 2010. p. 395-396.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Nadia Colburn - O Mundo Físico

A partir de uma perspectiva existencial e, até mesmo, metafísica, a poetisa explora a experiência da gravidez e do parto, antevendo, durante o período da gestação, uma espécie de “revelação” que haveria de lhe alcançar “do outro lado da dor”, uma compreensão algo transcendente da realidade, com o potencial para romper as suas certezas lógicas e racionais.

 

Mas o que sobrevém, de fato, não configura uma epifania esclarecedora, senão “o fim das ideias” pré-concebidas: um outro corpo robusto e irracional, um bebê que grita irritantemente, manifestando o lado mais físico, visceral, ingovernado pelo intelecto.

 

Sob tal ótica, a crua realidade da vida e do nascimento atém-se não exatamente à primazia da razão, mas à riqueza e a complexidade da experiência corporal: o amor materno, que se expressa através do cuidado físico do bebê, torna-se uma forma de conhecimento mais profunda que qualquer ideia ou teoria.

 

J.A.R. – H.C.

 

Nadia Colburn

(n. 1972)

 

The Physical World

 

For nine months

I anticipated,

 

as the other end

of pain,

 

a revelation:

a world turned

 

inside out,

the sure logic

 

of arithmetic undone.

Each inch I grew

 

marked a failure

and a promise:

 

my present physical

certainty, my approaching

 

release. But instead,

torn open,

 

I gave birth

to the end of ideas.

 

Beyond pain was born

no understanding,

 

beyond understanding

was revealed

 

no new way of knowing,

new sight,

 

but another body,

robust

 

which no thought

set screaming,

 

purple-faced,

infuriated at air,

 

or moved closer

to my breast,

 

or closed its thinly lidded

round brown eyes,

 

so soon worn out

by the unfamiliar light.

 

O nascimento de uma mãe

(Carrie Martinez: artista norte-americana)

 

O Mundo Físico

 

Durante nove meses

antecipei,

 

como o outro lado

da dor,

 

uma revelação:

um mundo virado

 

do avesso,

a lógica segura

 

da aritmética desfeita.

Cada polegada que eu crescia

 

marcava uma insuficiência

e uma promessa:

 

a certeza do meu estágio físico

corrente, a minha libertação

 

já próxima. Mas em vez disso,

extraído à força,

 

dei à luz

o fim das ideias.

 

Para além da dor

não se engendrou compreensão,

 

para além da compreensão

não se revelou

 

qualquer nova forma de saber,

tampouco uma nova visão,

 

senão um outro corpo,

robusto,

 

com o rosto purpúreo,

agastado com o ar,

 

que nenhum pensamento

o fazia desatar em pranto,

 

ou mover-se para mais perto

do meu peito,

 

ou fechar as finas pálpebras

de seus redondos olhos castanhos,

 

tão depressa extenuados

com a luz pouco familiar.

 

Referência:

 

COLBURN, Nadia. The physical world. In: __________. I say the sky: poems. Lexington, KY: University Press of Kentucky, 2024. p. 17-18.

terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Brasileirão 2025: 36ª Rodada - Projeções do Modelo Esotérico-Matemático (M.E.M.)

Mais duas rodadas e a disputa pelo título está praticamente definida em favor do rubro-negro carioca.

 

No âmbito da classificação para a Libertadores de 2026, com o título do Flamengo no torneio deste ano, abriu-se automaticamente uma vaga para um outro time no rol dos classificados para o ano que vem, motivo porque a tabela de projeções do MEM teve a sua faixa bege ampliada para sete (7) equipes, todas elas com nomes certos para aquela disputa.


Contudo, como Fluminense ou Cruzeiro – um dos dois – podem vir a ser o campeão da Copa do Brasil deste ano, há ainda chance de um oitavo time disputar a Pré-Libertadores, o que nos motivou a assinalar em amarelo a correspondente faixa, onde, por ora, se encontra o São Paulo como a aposta do modelo.


Note-se que o MEM praticamente mantém, na projeção para o final do campeonato, as mesmas posições de classificação ao final desta 36ª rodada, com pequenas diferenças em três delas (vide espectro em amarelo à esquerda da primeira tabela), as quais correspondem à faixa de habilitação à Copa Sul-americana do próximo ano.


Na parte de baixo, há muita indefinição em relação às outras duas equipes que comporão o Z4, haja vista que Juventude e Sport já são nomes certos: Ceará, Vitória, Santos, Internacional e Fortaleza, com uma diferença de apenas 3 (três) pontos entre o primeiro e o último mencionados, encontram-se na linha de tiro, faltando ainda 6 (seis) pontos em disputa.


Isto é tudo, por ora. Voltaremos ao final da 37ª rodada, para uma derradeira projeção sobre o que as métricas do MEM haverão de prognosticar para o encerramento do certame.


Para melhor visualização das tabelas a seguir, clique em cima de cada uma delas para ampliá-las ao seu alcance.


Um grande abraço a todo(a)s.


J.A.R. – H.C.

 

Fontes:

 

Chance de Gol

Infobola

UFMG Matemática

 

 

Robert Bly - Solidão no bosque, tarde da noite

Este poema em três seções é mais uma meditação sobre as “lições” espirituais que nos oferece a natureza em seu estado mais desnudo, em que a beleza austera dos bosques no inverno vai se definindo, pondo a descoberto potenciais vulnerabilidades nessa manifestação silvestre da vida, a qual, nada obstante, obstina-se em seguir adiante e se expandir, a despeito das adversidades.

 

A perpassarem os versos, têm-se os elementos constitutivos de fundo, como a solidão, o olhar introspectivo e a sensação de languidez espelhados no discurso do falante, talvez como reflexo em seu íntimo dos paradigmas que o entorno lhe oferece, de uma observância adaptativa aos ciclos do biossistema, sob cujos rigores concentra-se em aparentar quietude, resistir silenciosamente e manter estável o ânimo de plenitude.

 

J.A.R. – H.C.

 

Robert Bly

(1926-2021)

 

Solitude late at night in the woods

 

I

 

The body is like a November birch facing the full moon

And reaching into the cold heavens.

In these trees there is no ambition, no sodden body, no leaves,

Nothing but bare trunks climbing like cold fire!

 

II

 

My last walk in the trees has come. At dawn

I must return to the trapped fields,

To the obedient earth.

The trees shall be reaching all the winter.

 

III

 

It is a joy to walk in the bare woods.

The moonlight is not broken by the heavy leaves.

The leaves are down, and touching the soaked earth,

Giving off the odor that partridges love.

 

Noite de inverno num bosque

(Vilhelm Kyhn: pintor dinamarquês)

 

Solidão no bosque, tarde da noite

 

I

 

O corpo é como um vidoeiro em novembro, diante

da lua cheia

E alcançando os céus frios.

Nestas árvores não há ambição, nem corpo molhado ou folhas,

Nada a não ser troncos nus subindo como fogo frio!

 

II

 

Meu último passeio entre as árvores está começando.

Ao amanhecer

Devo voltar para os campos presos,

Para a terra obediente.

As árvores estarão nuas durante todo o inverno.

 

III

 

É uma alegria caminhar nos bosques desolados.

As folhas pesadas não quebram os raios da lua,

Na terra molhada de chuva, as folhas caídas

Exalam aquele odor que atrai as perdizes.

 

Referência:

 

BLY, Robert. Solitude late at night in the woods / Solidão no bosque, tarde da noite. Tradução de Lêdo Ivo. In: KEYS, Kerry Shawn (Ed.). Quingumbo: new north american poetry / nova poesia norte-americana. Antologia bilíngue: inglês x português. Vários poetas e tradutores. São Paulo, SP: Escrita, 1980. Em inglês: p. 126; em português: p. 127.