De um estado de
inquietude e dúvida a outro de serenidade e proteção contra a escuridão: ao
renunciarmos aos laços do mundo material, dispomo-nos, ao mesmo tempo, à
consumação de tudo quanto ficou para trás, permitindo-nos a abertura para a luz
– renovação e esperança a partir de um presente “atemporal” –, imprimindo matizes
inéditos a toda beleza que há à nossa volta.
Assim há de ser a
vereda para nos libertarmos do ego e da individualidade, a caminho de uma
conexão mais profunda com o transcendente e o espiritual: dar maior sentido à
vida é, de algum modo, aproximarmo-nos o quanto pudermos da plenitude da
realização, digo melhor, da perfeição de um ciclo que nos torne divinos
enquanto simples mortais.
J.A.R. – H.C.
W. S. Merwin
(1927-2019)
Carol of the Three
Kings
How long ago we
dreamed
Evening and the human
Step in the quiet
groves
And the prayer we
said:
Walk upon the
darkness,
Words of the lord,
Contain the night,
the dead
And here comfort us.
We have been a shadow
Many nights moving,
Swaying many nights
Between yes and no.
We have been
blindness
Between sun and moon
Coaxing the time
For a doubtful star.
Now we cease, we
forget
Our reasons, our city,
The sun, the
perplexed day,
Noon, the irksome
labor,
The flushed dream,
the way,
Even the dark beasts,
Even our shadows.
In this night and day
All gifts are
nothing:
What is frankincense
Where all sweetness
is?
We that were
followers
In the night’s
confusion
Kneel and forget our
feet
Who the cold way
came.
Now in the darkness
After the deep song
Walk among the
branches
Angels of the lord,
Over earth and child
Quiet the boughs.
Now shall we sing or
pray?
Where has the night
gone?
Who remembers day?
We are breath and
human
And awake have seen
All birth and burial
Merge and fall away,
Seen heaven that
extends
To comfort all the
night,
We have felt morning
move
The grove of a few
hands.
Os Três Reis
(Edmund Lewandowski:
artista polaco-americano)
Cântico dos Três Reis
Há quanto tempo sonhamos
O anoitecer, a marcha
Humana por bosques
tranquilos
E a nossa articulada
súplica:
“Atravessai as
trevas,
Ó palavras do senhor,
Dominai a noite, os
mortos
E aqui nos confortai”.
Temos sido uma sombra
Em muitas noites a
mover-se,
Em muitas noites a oscilar
Entre o sim e o não.
Temos sido a cegueira
Entre o céu e a lua,
A induzir o tempo
Rumo a uma estrela
incerta.
Mas agora paramos,
esquecemos
Nossas razões, nossa
cidade,
O sol, o dia entre desnorteios,
O meio-dia, o labor
fastidioso,
O sonho ruborizado, o
caminho,
Até as pardacentas
feras,
Até mesmo as nossas
sombras.
Nesta noite e neste
dia,
Todos os presentes
são nada:
O que é o olíbano,
Onde está toda a sua fragrância?
Nós que éramos seguidores
Na confusão da noite,
Ajoelhamo-nos e
esquecemos dos nossos pés
Que frias trilhas
atravessaram.
Agora na escuridão,
Depois do canto
profundo,
Caminham entre as
frondes
Os anjos do senhor:
Sobre a terra e o
menino
As frondes eles aquietam.
Agora vamos cantar ou
orar?
Para onde foi a
noite?
Quem se lembra do
dia?
Somos sopro de vida e
humanos
E, despertos, vimos
Todos os nascimentos
e sepultamentos
Fundirem-se e
desvanecerem-se;
Vimos o céu que se
estende
Para confortar a
noite inteira;
Sentimos a manhã
mover
O bosque de algumas
mãos.
Referência:
MERWIN, W. S. Carol
of the three kings. In: HOLLANDER, John; McCLATCHY, J. D. (Sel. & Ed.). Christmas
poems. New York, NY: Alfred A. Knopf, 1999. p. 83-84. (‘Everyman’s Library:
Pocket Poets’)