Contemplando ainda há pouco - próximo ao micro em que me encontro agora digitando, em casa - a reprodução das "Três Graças", da obra "A Primavera", de Sandro Botticelli, tive um "insight" desconcertante, ainda que possam chamá-lo leviano: lembrei-me de uma música, dos anos 80, interpretada pela cantora Simone - então no auge -, de autoria do Chico Buarque de Holanda, intitulada "Mar e Lua", da qual, pela letra, abaixo transcrita, infere-se que diz respeito a amantes do mesmo sexo.
Então poderiam me perguntar: e isso, o que tem a ver com a pintura de Botticelli ? Começa que são três graças e não apenas duas (seria um "ménage à trois" ?...) ! De mais a mais, a explícita alegoria de Botticelli se reporta ao estado encantatório do auge da primavera, com suas flores contrastantes com as sobras de neve ainda pendentes, a atmosfera do amor a tornar fecunda a natureza dual dos viventes.
Meu contra-argumento seria apenas o de que o leviano também pode ter um certo parentesco com a verdade (ou não !, como lembraria o Caetano Veloso (rs)) !
(JAR/HC)
(JAR/HC)
MAR E LUA
(Chico Buarque de Holanda)
Amaram o amor urgente
As bocas salgadas pela maresia
As costas lanhadas pela tempestade
Naquela cidade
Distante do mar
Amaram o amor serenado
Das noturnas praias
Levantavam as saias
E se enluaravam de felicidade
Naquela cidade
Que não tem luar
Amavam o amor proibido
Pois hoje é sabido
Todo mundo conta
Que uma andava tonta
Grávida de lua
E outra andava nua
Ávida de mar
E foram ficando marcadas
Ouvindo risadas, sentindo arrepio
Olhando pro rio tão cheio de lua
E que continua
Correndo pro mar
E foram correnteza abaixo
Rolando no leito
Engolindo água
Rolando com as algas
Arrastando folhas
Carregando flores
E a se desmanchar
E foram virando peixes
Virando conchas
Virando seixos
Virando areia
Prateada areia
Com lua cheia
E à beira-mar
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