Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Uma Homenagem Francesa

Ao compulsar uma seleta de poesias do francês Stéphane Mallarmé (1842-1898), deparei com um inesperado poema em homenagem ao navegador português Vasco da Gama (c.1469-1524). Nele, as alusões náuticas e os paralelos onomatopaicos são palpáveis, assim como a referência aos intentos e aos contratempos vividos pelo lusitano, em sua empreitada “por mares nunca dantes navegados”.

Os arranjos das estrofes estão tal como na edição que me serviu de referência, apesar de parecer que a continuidade das ideias no poema fique algo comprometida com a disposição assim proposta pelo autor. Mas uma pergunta: quem sou eu para me indispor contra o poeta francês? (rs).

Seja como for, uma homenagem bem merecida, não?!

J.A.R./H.C.


Hommage a Vasco da Gama

Au seul souci de voyager
Outre une Inde splendide et trouble
– Ce salut soit le messager
Du temps, cap que ta poupe double

Comme sur quelque vergue bas
Plongeante avec la caravelle
Écumait toujours en ébats
Un oiseau d'annonce nouvelle

Qui criait monotonement
Sans que la barre ne varie
Un inutile gisement
Nuit, désespoir et pierrerie

Par son chant reflété jusqu'au
Sourire du pâle Vasco.
  

Homenagem a Vasco da Gama

Somente no afã de viajar
Mais além de uma Índia esplêndida e sombria
– Esta saudação seja o mensageiro
Do tempo, cabo que tua popa dobra

Como sobre alguma verga baixa
Mergulhando com a caravela
Sempre a espumar com as batidas
Um pássaro de nova anunciação

Que gritava monotonamente
Sem que o leme oscilasse
Uma inútil jazida
Noite, desespero e pedraria

Por seu canto refletido até o
Sorriso do pálido Vasco.

Referência:

Mallarmé, Stéphane. Poesía. Versión de Frederico Gorbea. Barcelona: Plaza & Janés, 1982. p. 140.

Post scriptum: Já há algum tempo, um internauta endereçou um comentário acerca desta postagem, alertando-me sobre a existência de duas traduções, uma delas poética, do poema em referência de Mallarmé, comentário que, inadvertidamente, acabei por excluir quando, de fato, desejava inseri-lo na postagem, tudo por efeito da posição em que as duas opções (Incluir e Excluir) encontravam-se à época (tanto quanto agora).

Seja como for, as traduções ali mencionadas eram as de autoria de Augusto de Campos e de Mário Faustino, a seguir transcritas:

TRADUÇÃO DE AUGUSTO DE CAMPOS

À só tenção de ir além de

À só tenção de ir além de
Uma Índia em sombras e sobras
− Seja este brinde que te rende
O tempo, cabo que ao fim dobras

Como sobre a vela da nave
Mergulhando com a caravela
Espumante a ávida ave
Da novidade sempre vela

A cantar com monotonia
Sem jamais volver o timão
Uma jazida ali à mão
Noite demência e pedraria

Que se reflete pelo casco
Ao riso pálido de Vasco.

Disponível neste endereço.

TRADUÇÃO DE MÁRIO FAUSTINO (*)

Com a única inquietação de viajar

Com a única inquietação de viajar
Para além de uma Índia esplêndida e perturbada (1)
Seja esta saudação o mensageiro do tempo
Cabo que tua popa dobra

Como certa verga baixa
Mergulhante (2) junto com a caravela
Espumava sempre em folguedos
Um pássaro de nova anunciação

Que apregoava monotonamente
Sem que variasse a cana do leme
Um inútil jazigo (3)
Noite desespero e pedraria

Por seu canto refletido até o
Sorriso do pálido Vasco.

(*) Tradução inserta no corpo do ensaio “Poesia não é brincadeira”, entre as páginas 159-181 da seguinte obra:

FAUSTINO, Mário. Artesanatos de poesia: fontes e correntes da poesia ocidental. Pesquisa e organização de Maria Eugenia Boaventura. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2004.

Notas:

(1) Como a tradução de Mário Faustino é literal e tentativa, uma “tradução-traição” segundo ele próprio, à palavra “perturbada” o autor sugere ainda, alternativamente, “turva” ou “obscura”;

(2) O tradutor grafa o adjetivo mergulhante entre aspas;

(3) Ou jazida de minerais, conforme Faustino.

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