Ao compulsar uma
seleta de poesias do francês Stéphane Mallarmé (1842-1898), deparei com um inesperado poema
em homenagem ao navegador português Vasco da Gama (c.1469-1524). Nele, as alusões náuticas e
os paralelos onomatopaicos são palpáveis, assim como a referência aos intentos
e aos contratempos vividos pelo lusitano, em sua empreitada “por mares nunca
dantes navegados”.
Os arranjos das estrofes estão tal como
na edição que me serviu de referência, apesar de parecer que a continuidade das
ideias no poema fique algo comprometida com a disposição assim proposta pelo
autor. Mas uma pergunta: quem sou eu para me indispor contra o poeta francês?
(rs).
Seja como for, uma homenagem bem
merecida, não?!
J.A.R./H.C.
Hommage a Vasco da Gama
Au seul souci de voyager
Outre une Inde splendide et trouble
– Ce salut soit le messager
Du temps, cap que ta poupe double
Comme sur quelque vergue bas
Plongeante avec la caravelle
Écumait toujours en ébats
Un oiseau d'annonce nouvelle
Qui criait monotonement
Sans que la barre ne varie
Un inutile gisement
Nuit, désespoir et pierrerie
Par son chant reflété jusqu'au
Sourire
du pâle Vasco.
Homenagem a Vasco da Gama
Somente no afã de viajar
Mais além de uma Índia esplêndida e
sombria
– Esta saudação seja o mensageiro
Do tempo, cabo que tua popa dobra
Como sobre alguma verga baixa
Mergulhando com a caravela
Sempre a espumar com as batidas
Um pássaro de nova anunciação
Que gritava monotonamente
Sem que o leme oscilasse
Uma inútil jazida
Noite, desespero e pedraria
Por seu canto refletido até o
Sorriso
do pálido Vasco.
Referência:
Mallarmé, Stéphane. Poesía.
Versión de Frederico Gorbea. Barcelona: Plaza & Janés, 1982. p. 140.
Post scriptum: Já há algum tempo, um internauta endereçou
um comentário acerca desta postagem, alertando-me sobre a existência de duas
traduções, uma delas poética, do poema em referência de Mallarmé, comentário
que, inadvertidamente, acabei por excluir quando, de fato, desejava inseri-lo
na postagem, tudo por efeito da posição em que as duas opções (Incluir e
Excluir) encontravam-se à época (tanto quanto agora).
Seja como for, as traduções ali
mencionadas eram as de autoria de Augusto de Campos e de Mário Faustino, a
seguir transcritas:
TRADUÇÃO DE AUGUSTO
DE CAMPOS
À só tenção de ir além
de
À só tenção de ir
além de
Uma Índia em sombras
e sobras
− Seja este brinde
que te rende
O tempo, cabo que ao
fim dobras
Como sobre a vela da
nave
Mergulhando com a
caravela
Espumante a ávida ave
Da novidade sempre
vela
A cantar com
monotonia
Sem jamais volver o
timão
Uma jazida ali à mão
Noite demência e
pedraria
Que se reflete pelo
casco
Ao riso pálido de
Vasco.
Disponível neste
endereço.
TRADUÇÃO DE MÁRIO
FAUSTINO (*)
Com a única inquietação
de viajar
Com a única inquietação
de viajar
Para além de uma
Índia esplêndida e perturbada (1)
Seja esta saudação o
mensageiro do tempo
Cabo que tua popa
dobra
Como certa verga baixa
Mergulhante (2) junto
com a caravela
Espumava sempre em folguedos
Um pássaro de nova
anunciação
Que apregoava monotonamente
Sem que variasse a
cana do leme
Um inútil jazigo (3)
Noite desespero e
pedraria
Por seu canto
refletido até o
Sorriso do pálido
Vasco.
(*) Tradução inserta no corpo do ensaio
“Poesia não é brincadeira”, entre as páginas 159-181 da seguinte
obra:
FAUSTINO, Mário. Artesanatos de
poesia: fontes e correntes da poesia ocidental. Pesquisa e organização de
Maria Eugenia Boaventura. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2004.
Notas:
(1) Como a tradução de Mário Faustino é
literal e tentativa, uma “tradução-traição” segundo ele próprio, à palavra “perturbada”
o autor sugere ainda, alternativamente, “turva” ou “obscura”;
(2) O tradutor grafa o adjetivo mergulhante
entre aspas;
(3) Ou jazida de minerais, conforme Faustino.
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