A vida, segundo o
falante, seria um vale de lágrimas no qual pequenas são as consolações, confrangidas
ademais pela insuficiência e imprevisibilidade ante as contingências do destino,
estas muitas vezes carregadas de surpresas para os olhos improficientes. Mas
como um termômetro que nos permite avaliar as fráguas em que imersos, resta-nos
o coração para vislumbrarmos a beleza que se oculta nos desenlaces do quotidiano.
A empatia e a
compaixão devem seguir a par com nossa disposição de abarcar as tribulações do
mundo num plano de resiliência, para que possamos – como Chaplin, em suas
representações a um só tempo pungentes e engraçadas –, apreender o lado mais
humano e jocoso em cada contexto, mantendo acesa a chama da esperança e nossa capacidade
de amar e de resistir.
J.A.R. – H.C.
Hart Crane
(1899-1932)
Chaplinesque (*)
We make our meek
adjustments,
Contented with such
random consolations
As the wind deposits
In slithered and too
ample pockets.
For we can still love
the world, who find
A famished kitten on
the step, and know
Recesses for it from
the fury of the street,
Or warm tom elbow
coverts.
We will sidestep, and
to the final smirk
Dally the doom of
that inevitable thumb
That slowly chafes
its puckered index toward us,
Facing the dull
squint with what innocence
And what surprise!
And yet these fine
collapses are not lies
More than the
pirouettes of any pliant cane;
Our obsequies are, in
a way, no enterprise.
We can evade you, and
all else hut the heart:
What blame to us if
the heart live on.
The game enforces
smirks; hut we have seen
The moon in lonely
alleys make
A grail of laughter
of an empty ash can,
And through all sound
of gaiety and quest
Have heard a kitten
in the wilderness.
In: “The Bridge”
(1930)
Gato faminto
(Kunal Kalra: artista
indiano)
Chaplinesque
Pacientemente nos
adaptamos
Bastam-nos
consolações ocasionais
como as que o vento
deposita
em vastos bolsos
fundos como poços.
Pois ainda pode amar
o mundo quem
vê um gato faminto à
porta
e o protege da fúria
lá de fora
no ângulo do cotovelo
roto.
Esquivando-nos,
adiaremos
até o último esgar a
lenta fatalidade
do dedo enrugado que
para nós aponta,
sempre encarando o
olhar abúlico
com inocência e
surpresa.
E no entanto esses
belos tombos não são mentira,
assim como as
piruetas de uma bengala elástica.
Nossas exéquias não
são, no fundo, uma empresa.
Podemos escapulir-te,
escapulir de tudo
– menos do coração.
Não é culpa nossa. O
coração sobrevive.
Os esgares fazem
parte do jogo. Mas vimos
a lua em alamedas
desertas
transformar num graal
de risco uma lixeira vazia
e, em meio a tanta
algazarra de buscas e alegria,
ouvimos o solitário
miar de um gato.
Em: “A Ponte” (1930)
Folhetim, 02.01.83
Nota:
(*) Chaplinesco:
adjetivo para designar algo característico ou semelhante ao estilo de comédia
ou dos filmes de Charlie Chaplin.
Referências:
Em Inglês
CRANE, Hart. Chaplinesque.
In: __________. The collected poems of Hart Crane. Edited with an introduction
by Waldo Frank. New York, NY: Liveright Publishing Corporation, jul. 1946. p.
73-74. (‘Black & Gold Edition’)
Em Português
CRANE, Hart.
Chaplinesque. Tradução de João Moura Jr. In: SUZUKI JR., Matinas; ASCHER,
Nelson (Organizadores). Folhetim: poemas traduzidos. São Paulo, SP:
Folha de São Paulo, 1987. p. 53.
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