BRNO - REPÚBLICA TCHECA
“A vida humana é composta como uma partitura musical. O ser humano, guiado pelo sentido da beleza, transpõe o acontecimento fortuito (uma música de Beethoven, a morte numa estação) para fazer disso um tema que, em seguida, fará parte da partitura de sua vida. Voltará ao tema, repetindo-o, modificando-o, desenvolvendo-o e transpondo-o, como faz um compositor com os temas de sua sonata. Anna poderia ter posto fim a seus dias de outra maneira. Mas o tema da estação e da morte, esse tema inesquecível associado ao nascimento do amor, atraiu-a no momento do desespero por sua sombria beleza. O homem inconscientemente compõe sua vida segundo as leis da beleza mesmo nos instantes do mais profundo desespero.
O romance não pode, portanto, ser censurado por seu fascínio pelos encontros misteriosos dos acasos (como o encontro de Vronsky, de Anna, da estação e da morte, ou o encontro de Beethoven, de Tomas, de Tereza e do copo de conhaque), mas podemos, com razão, censurar o homem por ser cego a esses acasos na vida quotidiana, privando assim a vida da sua dimensão de beleza”.
('A Insustentável Leveza do Ser' - Milan Kundera - Escritor Tcheco)
P.s.: A seleção do excerto acima ilustra um fato até certo modo recorrente na escrita de Kundera, a saber, a metalinguagem, a literatura em volta ao próprio umbigo, a referência explícita ao drama vivido por Anna Karenina no romance de Tolstói, e por fim, para não cumprir a regra, a própria realidade histórica - e portanto não romanesca - da morte deste último numa estação de trem.
H.C. - J.A.R.
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