Venho trazer-lhes
esta mensagem de fim de ano, talvez muito mais uma profusão de sentimentos
desencontrados do que escritos de sóbria razão, mas de todo modo uma formulação
de intenções pela busca do equilíbrio e de emoções humanas sob controle.
Penso que, até
naturalmente, o melhor das intenções humanas sempre expressa, de algum modo,
uma faceta do que é belo, ainda que este, em muitos casos, se manifeste de uma
forma intangível, como a própria busca da verdade.
E, por isso
mesmo, imagino que não concorde tanto com Salomão, no Eclesiastes, quando reduz
a ação humana a uma sucessão de vaidades: torna-se necessário que o belo se
manifeste, para que o homem possa ter paz de espírito!
Por que não
usufruir o belo que existe nas pessoas - e esse belo tanto pode se expressar fisicamente
quanto, e sobretudo, espiritualmente quanto -, se mais difícil ainda é ter que
fechar os olhos e o coração para interpor barreiras a uma interação humana
saudável e equilibrada?
Se vemos o mal
em outrem, por que será que somos incapazes de percebê-lo em nós mesmos?
Trata-se do mesmo mal: o malfeitor materializa a ação que, em nosso íntimo,
perpetramos apenas num plano mental. Mas, certamente, infratores somos todos
nós!
Há de se
empreender uma viagem essencial ao cerne de nossa própria existência, para
descobrir-nos as motivações mais profundas, aquelas que, uma vez expressas em
nossas palavras e ações, evidenciam ao próximo a forma como se dá a nossa
experiência com a beleza:
O que procuraste em ti
ou fora de teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo...
olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola,
essa ciência sublime e formidável,
mas hermética,
essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular
que nem concebes mais,
pois tão esquivo se revelou
ante a pesquisa ardente em que te consumiste...
vê, contempla, abre teu peito para
agasalhá-lo.
(Em A Máquina do Mundo - Carlos Drummond de
Andrade)
Mas a
experiência da beleza também se estende por outras dimensões do humano,
servindo até mesmo para caracterizar-nos a natureza, uma vez que o belo faz
parte da representação das obras de arte - e, aqui, faço explícita referência
ao teor de um livro de Harold Bloom, intitulado "Shakespeare: A Invenção
do Humano", em que o renomado crítico norte-americano perpassa a história
das emoções humanas, retratadas nos textos do não menos famoso bardo.
Se isso não
fosse pouco como referência, reproduzo o entendimento de um dos mestres da antropologia
moderna sobre o mesmo tema:
Vistas na escala de milênios, as paixões
humanas não se confundem. O tempo nada acrescenta e nada retira dos amores e
dos ódios vividos pelos homens, dos seus compromissos, suas lutas e esperanças;
antes e hoje são sempre as mesmas. Suprimir ao acaso dez ou vinte séculos de
história não afetaria de maneira sensível o nosso conhecimento da natureza
humana. A única parte insubstituível seria a das obras de arte que esses
séculos viram nascer. Pois os homens não se diferenciam - e nem mesmo chegam a
existir -, a não ser pelas suas obras. Como a estátua de madeira dada à luz por
uma árvore, somente as obras proporcionam a evidência de que, no decorrer do
tempo, alguma coisa realmente se passou entre os homens.
(Em Minhas Palavras - Claude Lévi-Strauss)
Entretanto,
julgo que num mundo de miséria que assola grande parcela da humanidade, falar
em usufruto da beleza para essas pessoas é como incidir em uma afronta
acintosa. Decisões políticas equivocadas, permeadas de prepotência e
arrogância, levam-nos a um convívio desigual e à manutenção de estruturas que
oprimem os nossos irmãos - e digo, mesmo aqui, que irmãos são todos os outros
seres humanos, para que o nosso juízo compreenda a amplitude de um
amor-fraternidade-universal!
Mas, ainda
nesse caso, poderemos fazer valer o belo, redigido em boa pena, para melhor
elucidar a dicotomia da carência/abundância, referência tão preliminar aos
economistas:
(...) A bastança e a indigência dependem,
pois, da idéia que dela temos. A riqueza, como a glória e a saúde, só atrai e
causa prazer na medida em que empresta prazer e atração a quem a possui.
Estamos bem ou mal neste mundo segundo que pensamos: contente está quem se
acredita contente e não aquele que os outros imaginam contente. Nossa crença é
que faz seja ou não seja real a nossa felicidade!.
(Em Ensaios - Montaigne)
Por fim,
apreciaria roubar apenas mais uma referência ao nosso poeta, para trazer à
mente a principal de todas as dimensões humanas, a do amor incondicional, a
daquele sentimento de que todos precisamos para alcançar a reconciliação com as
coisas do universo, vivas ou não, qualquer que seja o estágio de evolução em
que se encontram no momento presente:
Este o nosso destino: amor ser conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
(Em Amar - Carlos Drummond de Andrade)
Um grande abraço do sempre amigo,
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