A cada vez que escuto a soberba interpretação de Gal Costa, para a música "O Amor", de Caetano Veloso, volta-me a certeza de que a literatura e a música podem ser uma redenção aos padrões estéticos mais apurados, num mundo artisticamente tão decadente e cada vez mais distante dos valores genuinamente humanos, como o de hoje.
A adaptação de Caetano e Ney Costa Santos, para passagens de um longo poema futurista, do russo Vladimir Maiakóvski - o denominado "poeta de la revolución" -, tem o condão de resgatar a poesia tão presente, e não menos esquecida, em nossas experiências.
... E não no longínquo século XXX, a que se reporta o autor, mas ainda neste nosso século, de promessas "revolucionárias" na ciência, bem ao gosto das interpretações dialéticas do mundo.
Para quem aprecia literatura, sugiro a leitura do livro "Poesia Russa Moderna", com tradução dos irmãos Haroldo e Augusto de Campos e revisão de Boris Schnaiderman: uma obra-prima que apresenta poesias de vários poetas russos influentes, a maioria das quais redigida ao longo do conturbado século XX.
O AMOR
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Talvez, quem sabe, um dia
Por uma alameda do zoológico ela também chegará
Ela que também amava os animais
Entrará sorridente assim como está
Na foto sobre a mesa
Ela é tão bonita
Ela tão bonita que na certa
Eles a ressuscitarão
O século trinta vencerá
O coração destroçado já
Pelas mesquinharias
Agora vamos alcançar
Tudo o que não podemos amar na vida
Com o estelar das noites inumeráveis
Ressuscita-me ainda que mais não seja
Porque sou poeta
E ansiava ao futuro
Ressuscita-me lutando contra as misérias do cotidiano
Ressuscita-me por isso
Ressuscita-me quero acabar de viver o que me cabe, minha vida
Para que não mais existam
Amores servis
Ressuscita-me pra que ninguém mais tenha
De sacrificar-se por uma casa, um buraco
Ressuscita-me para que a partir de hoje
A família se transforme
E o pai seja pelo menos o universo
E a mãe seja no mínimo a Terra
A Terra
A Terra
٩(-̮̮̃-̃)۶
٩(-̮̮̃-̃)۶
J.A.R./H.C.
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